Ele não estava bem, já fazia tempo que era visto com preconceito dentro do ambiente de trabalho.
– João vai lá no cliente e anota tudo o que ele quer e traz pra nós.
E assim o “leva e traz” pegava o seu carro e ia visitar o cliente.
Chegava afoito, com muitas anotações, informações, prazos e verba, mas quase nunca com ideias. Isso tinham lhe informado que isso era função da criação.
E assim fomos desenvolvendo uma categoria “sub-prime” dos profissionais de comunicação. Ele podia chamar a dupla de criação para explicar o briefing, mas depois não deveria sugerir nada, pois poderia estragar algo já criado ou então começar a mexer no layout antes mesmo do cliente.
Nesse jogo da propaganda, a época dos Pelés, das grandes seleções que jogavam em função de apenas um ou dois jogadores. A propaganda era arte. E assim como tal, ninguém tinha o direito de mexer.
– Esta campanha é genial. Aprova lá e não aceite alterações do cliente, ok?
Assim, muitas vezes o atendimento vendia o que a agência queria e não o que o cliente precisava. E como qualquer profissão que exige relacionamento, ele acabava cavando a sua própria cova.
Mas a direção já tinha a solução pronta e era recorrente. Ou a “loirinha bonitinha” resolveria o problema ou então o “rapaz boa pinta”. E assim, mais do que sexistas, eles foram achatando uma função que faria falta no futuro para a agência.
Mas João foi questionado várias vezes. O que ele estava
fazendo para ser complementar à criação?
Que insights ele estava juntando para ajudar no processo criativo? Mas o
atendimento era mal preparado.
Cabia a ela toda a gestão do projeto, das equipes, de quem seria envolvido naquele job. Mas ele nunca tinha ouvido falar em formas de organização e otimização de processos.
Os clientes o testavam a cada reunião, falavam sobre assuntos mais técnicos da produção de sua indústria e específicos do seu mercado, mas ele preferia anotar apenas e não entender exatamente como aquele negócio funcionava, como aquele senhor que ali conversava com ele ganhava o seu dinheiro.
Ele não sugeria caminhos, não falava nada de inovação ou de
formas de gerar mais demanda e valor para a empresa. Sempre que o assunto ficava
duro, ele tinha aquela velha tática de tentar a aproximação mais pessoal:
– E como foi o seu final de semana?
E assim eles ganhavam a amizade, mas não o respeito
intelectual.
Não foi do dia para a noite, mas quando todos perceberam ele tinha ido e sem deixar saudades. Alguns se assustaram e ficaram com medo de perder os seus empregos. Outros perceberam lá atrás e foram dando forma a uma nova função dentro das empresas de comunicação que estava intimamente ligada com gestão e negócio. Mudaram as suas atuações, aumentaram o envolvimento, trazendo resultados e sendo relevantes dentro do processo do cliente e também da agência. Pena que esqueceram de avisar o professor que continua toda noite explicando a função do atendimento, sem saber que o pobre coitado já caiu duro. Seus alunos, atentos, anotam tudo. Surpresa terão quando chegarem ao mercado de trabalho.